SAUDADES DO FUTURO

 

*Osmar Gomes dos Santos

 

 Tenho saudade do futuro que vi quando criança. Não um futuro meu, mas um amanhã que extrapolava minha pretérita visão egocêntrica, quando minhas particulares aspirações de superação mal cabiam na pequena casa de porta e janela no Povoado Enseada Grande. Ou mesmo na pequena palafita de um cômodo, já na capital, construída sobre a maré, que guardava a mim, minha mãe e os cinco irmãos.

 

Falo de um futuro sobre o qual cresci ouvindo dizer. Um lugar diferente, no qual as pessoas teriam prosperidade, seriam independentes, viveriam de seu próprio suor e teriam acesso às mesmas oportunidades, tudo de forma igualitária. Este lugar prometido não fica em outro continente, ou planeta. Não cresci ouvindo fábulas ou contos acerca dos quais me apeguei de forma utópica e apaixonada. O lugar do qual falo é o Brasil, solo no qual pisamos todos os dias, cujo tal futuro parece não ter chegado.

 

“O Brasil é o país do futuro”. Era, de fato, uma promissora nação; ou será que fui iludido com um bem forjado Jargão publicitário? Ou mesmo não tenha visto, ou não quis ver, o que estava diante dos meus olhos, tamanha obviedade hoje narrada no transcurso da história. Do ufanismo que empolgou uma geração, parecem ter ficado como símbolos apenas a bola e o pandeiro, cujos valores culturais são importantes, é bom que se diga. Mas receio daquele outro futuro que não chegou.

 

Sinto falta daquela “terra” prometida que ficara apenas nos folhetins, rabiscada em rebuscados discursos, com conteúdo carregado de altas doses de emoções e cheios de esperanças, mas que transbordava de um vazio infinito de ações concretas e estruturantes. Um futuro que, ao que parece, fora apenas sonhado, idealizado, jamais planejado. Olhando no fundo do meu “eu”, deparo-me com uma criança ainda sentada na porta de casa esperando alguma encomenda que nunca chegou.

 

A corrente de mãos dadas fora desfeita e cada um parece ter seguido a própria trajetória, um destino que fora reservado a cada cidadão brasileiro longe de qualquer pensamento coletivo. Os 90 milhões “em ação” se multiplicou e hoje somos mais de 200 milhões, já não mais com a mesma empolgação e longe de parecer fazer parte de um mesmo elo. Muitos dos quais estão presos em seus mundos, suas convicções, suas vaidades, longe de qualquer pensamento comum.

 

A diferença entre o ontem e o hoje é que naquela época havia uma perspectiva, vislumbrávamos o ideal de país onde o único obstáculo entre o sonhar e o concretizar parecia ser o tempo: a certeza de dar certo era algo que abraçávamos, carregávamos avidamente. Hoje, como cidadão brasileiro, mesmo com forças para contribuir, sinto-me órfão daquele futuro traçado para as gerações posteriores.

 

Não pretendo, aqui, fazer o papel do pessimista, cujo discurso pronto apresenta jargões e lugares comuns com uma pitada de retórica intelectualizada. Mas afloro o sentimento daquele pequeno jovem de pés descalços que abandonou sua terra natal rumo à capital em busca de uma vaga esperança que não veio. Exato, não veio. Embora galgado alguns degraus, este artigo não fora escrito de cabeça baixa, de tal forma que a visão fosse capaz de alcançar apenas meu próprio umbigo.

 

Digo que esse futuro não veio quando ainda vejo pessoas sem um lar, sem acesso à educação, à saúde e outros serviços públicos básicos e essenciais. A esperança se esvai quando percebo existirem tantos concidadãos sem emprego, condição mínima para assegurar a qualquer um uma vida com dignidade e cidadania. Em que ponto da história falhamos? Deixamos o Império, adentramos a República, vivemos as reviravoltas dos mandos e desmandos até aportar na redemocratização. Quais lições tiramos de tudo isso?

 

Como aceitar os altos índices de criminalidade, de desemprego e de concentração de renda, contexto que deixa o povo cada vez mais desacreditado em dias melhores. Como aquela mente limitada e de pés no chão poderia conceber que naquele sonhado futuro, hoje, portanto, teríamos instituições públicas acuadas em um labirinto que parece não ter fim, tamanha é a corrupção que parece ter se tornado fisiológica e que corrói os pilares da nação.

 

Ah, é claro que avançamos e isso é importante reconhecer e destacar. Mas não como o esperado. Nossos filhos, que hoje deveriam estar colhendo os frutos do futuro, voltam a nutrir os mesmos sonhos outrora sonhados por nós, nossos pais e avós. O futuro que afirmo não ter chegado – e que talvez eu não o veja – é aquele no qual todos nós, irmanados com os mesmo propósitos pudéssemos ser capazes de edificar um país dito de primeiro mundo.

 

Condições para isso não faltaram ao longo da história e não faltam hoje. É possível afirmar que o Brasil tem condições que se combinam em perfeita harmonia, mas faltam as ferramentas essenciais para lapidar a pedra bruta do próprio destino. Esbarramos na incapacidade de transformar nossas riquezas naturais em prosperidade para todos, de forma a garantir autonomia a cada cidadão para que possa, enfim, ser protagonista de sua própria história e não apenas uma vítima dos acontecimentos.

 

Gostaria de poder escrever este artigo sobre outro ângulo de visão. Harmonizar palavras, imbricar frases de efeito com entonação empolgante e concatenar rimas, quase que com a perfeição de um belo soneto. Mais, infelizmente, a vida se faz com um pouco mais do que apenas papel, lápis e algumas ideias.

 

Ainda resta tempo – inclusive para aqueles da minha geração – de iniciar um movimento que coloque nos trilhos a locomotiva chamada Brasil. Um novo elo precisa ser feito, uma nova corrente que amarre os rumos da nação rumo ao desenvolvimento do qual poderão gozar das benesses nossos filhos, netos e bisnetos.

 

Entre um jogo de passado e presente, no qual o futuro não tem espaço, regresso no meu íntimo para a porta daquela humilde casa de chão batido e empoeirado. As certezas que ali ouvi, hoje nada mais parecem do que uma narrativa carregada de pretéritos perfeitos – simples ou compostos. Narrativa esta que coube, perfeitamente, em um enredo cheio de imperfeições.

 

 

*Juiz de Direito da Comarca da Ilha de São Luís. Membro das Academias Ludovicense de Letras; Maranhense de Letras Jurídicas e Matinhense de Ciências, Artes e Letras.

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