Jovens que quebraram paredes da Kiss relatam como enfrentaram a fumaça tóxica

Eduardo e Rodrigo: Heroísmo e frustração


Familiares de vítimas se consolam

O empresário Gustavo Riet, 34, conseguiu se desvencilhar da fumaça que tomou a boate Kiss e achou a porta de saída. Alcançou a calçada, mas logo em seguida iniciou um entra e sai para resgatar conhecidos e desconhecidos.
Frequentador assíduo, conhecia todos os acessos; numa das investidas, buscou ar do lado de fora, prendeu a respiração e seguiu rumo ao banheiro feminino, onde estaria a mulher de um amigo.
“Era uma fumaça preta, muito densa. Ao chegarmos próximo à porta do banheiro, nos deparamos com diversas pessoas deitadas, umas por cima das outras, o que nos impossibilitava chegar até o interior dele. Resgatamos a pessoa que estava se mexendo e a puxamos para fora.”
Gustavo então se deu conta de que o único jeito de chegar à mulher desse amigo seria quebrando a parede.
“Fui atrás da marreta, e os bombeiros me disseram que elas estavam dentro da boate. Entrei de volta e peguei a marreta. Comecei a quebrar, dei umas marretadas e passei para ele [amigo], revezando.”

“Intercalávamos entre cinco a oito pessoas para abrir uma passagem ali”, escreveu Gustavo à Folha, da cama do hospital onde está internado com quadro estável de intoxicação, em Santa Maria.
Segunda-feira, no enterro de um amigo, passou mal por causa da fumaça que respirou ao longo do resgate.
Um dia antes, outro dos “voluntários da marreta”, conhecidos nacionalmente após as imagens desse esforço ganharem a TV, foi levado às pressas para Porto Alegre.
Era Guilherme Ferreira da Luz, 25, também com quadro de intoxicação, mas que já deixou a UTI do hospital.

SEM SABER O QUE FAZER
Entre os outros voluntários que utilizaram as marretas dos bombeiros estava Rodrigo Rizzi, 23, vendedor de carros e estudante de enfermagem na UFSM (Universidade Federal de Santa Maria).
Assim como Gustavo, ele também havia acabado de escapar do incêndio. “Quando vimos o fogo no palco, um amigo meu me puxou e disse: ‘Vamos, vai dar merda!’ Eu fiquei no meio da rua, deitado durante uns dez minutos, voltando a respirar, voltando a mim, porque a fumaça queimava demais.”
“Todo mundo estava apavorado, não sabia exatamente o que fazer. Tiravam as pessoas lá de dentro, mas era muito fumaça. A gente arrancava as madeiras das paredes externas para tentar abrir mais espaço. Mas cada fresta que a gente abria se enchia de fumaça, porque tudo estava impregnado.”
No revezamento das marretas, Rodrigo estava também com Eduardo Buriol de Oliveira, 22, estudante de matemática. “Tive que empurrar um monte de gente para conseguir sair”, conta.
Eduardo primeiro ajudou a retirar vítimas da boate e logo passou a quebrar as paredes. “Vi que havia pessoas tentando quebrar e fui ajudar. A gente ia se revezando.”
Quando um cansava ou passava mal, outro assumia. “A parede era larga, antiga, tinha estrutura de ferro.”
Rodrigo diz que, além dos seguranças, o sócio da boate Elissandro Spohr, conhecido como Kiko e desde segunda-feira detido pela polícia, estava ao lado dele neste momento e sinalizou aos voluntários o local exato no qual as paredes deveriam ser abertas para atingir os banheiros.
“A iniciativa de arrombar as paredes foi nossa, por instinto de salvação. A gente sabia a quantidade de pessoas que estavam lá dentro. O Kiko também indicou para quebrar uma parede que tinha parte de gesso. Ele tava lá, ajudando todo mundo.”
Homenagem às vítimas da tragédia
FRUSTRAÇÃO
O esforço de Gustavo, Guilherme, Rodrigo e Eduardo e de outra meia dúzia de jovens terminou de forma frustrante no início da manhã.
Rodrigo descreve: “A cada buraco que a gente conseguia fazer, saía muita fumaça, havia muita fuligem. Senti a boca seca, meus olhos doíam, dor de cabeça. Quando a gente conseguiu abrir um dos buracos, os bombeiros começaram a puxar as pessoas e verificar os pulsos. Mas elas já estavam mortas”.

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