Se correr o bicho pega

ferreira lisboa

Ferreira Gullar *

Nas últimas semanas – antes das manifestações do dia 15 – a sensação que tive, como espectador da atual política brasileira, foi de estar assistindo a uma chanchada.

Por exemplo, não poderia definir de outro modo o depoimento de José Sergio Gabrielli, ex-presidente da Petrobras, na CPI da Câmara para investigar os envolvidos na Operação Lava Jato.

Antes dele, depôs o deputado Eduardo Cunha, do PMDB, que se
prontificara a ser interrogado na mesma CPI.

Falou à vontade, dizendo-se vítima de perseguição por parte do
procurador-geral da República, Rodrigo Janot. Não apresentou nenhuma
prova do que afirmava, mas contou com o apoio unânime dos integrantes
da comissão, sem distinção de partidos: do PSDB ao PMDB, do PT ao
Psol, todos teceram elogios ao deputado que é, por coincidência,
presidente da Câmara dos Deputados. Segundo alguns deles, o objetivo
de Janot  seria desmoralizar o Congresso Nacional.  Por que razão,
ninguém sabe.

Mas hilariante mesmo foi o depoimento de Gabrielli, que começou
tecendo intermináveis louvores à Petrobras, que estaria no auge de sua
prosperidade. Disse isso de cara limpa, muito embora todos saibam que
o valor da empresa tem caído no mercado, e sua credibilidade vem
sofrendo graves perdas no plano nacional e internacional.

A impressão que tive, ao ouvi-lo, foi a de que se referia a uma outra
empresa, por todos desconhecida.

Ele falava e eu mal acreditava no que ouvia, especialmente pela
maneira desinibida com que afirmava coisas que nenhuma relação tinham
com o que diariamente informa a imprensa e afirmam os especialistas na
matéria.

A única explicação para tal atitude surrealista só pode ser uma firme
disposição de desconhecer a realidade e enganar abertamente a opinião
pública.

Sucede que, àquela altura do depoimento, ele ainda não havia atingido
o ápice de seu descompromisso  com a verdade dos fatos.

Parece-me que o atingiu quando lhe perguntaram se, como presidente da
Petrobras, nada sabia das concorrências fraudadas e das propinas que
eram divididas entre altos funcionários da empresa e representantes
dos partidos políticos ligados ao governo, como o PT, o PMDB e o PP.

Ele sorriu ironicamente e garantiu que, na estatal, não se sabia disso
– mesmo porque a tal corrupção sistêmica, apontada pelos delatores
nunca aconteceu.

E sabem por que nunca houve? Porque a fiscalização, feita por um órgão
da própria Petrobras e órgãos internacionais de alta eficiência, nunca
captou nenhum sinal de que estivessem ocorrendo falcatruas na empresa.

Ora, se tais organizações nada detectaram é porque nada havia.

Eu estava perplexo com o que ele afirmava e ainda mais pelo à vontade
como o fazia. Conforme apurou a Operação Lava Jato, graças à delação
de Paulo Roberto Costa e Pedro Barusco, centenas de milhões de reais
foram distribuídos como propinas, inclusive a representantes de
partidos como João Vaccari Neto, tesoureiro do PT, ou seja, do mesmo
partido de Gabrielli.

Só Barusco devolveu mais de R$ 182 milhões roubados da Petrobras, mas,
de acordo com Gabrielli, se a fiscalização nada captou, nada foi
roubado.

A chanchada, porém, não acaba aí. Na sexta-feira, dia 13, isto é, na
semana passada, a CUT decidiu mobilizar os trabalhadores para
manifestações públicas, em todo o país, em defesa da Petrobras.

Se realmente fosse isso, teria de protestar contra aqueles que a
saquearam, ou seja, os funcionários nomeados e mantidos por Lula e os
partidos que compõem o governo petista. Ledo engano:  a manifestação
foi contra os que denunciaram a corrupção, porque dizem, como
Gabrielli, Lula e Dilma, que tudo foi inventado para criar condições
de privatizá-la.

Como se não bastasse, a CUT dizia protestar contra o ajuste fiscal,
que prejudica os trabalhadores, mas, ao mesmo tempo,  defende Dilma,
que autorizou o ajuste.

É chanchada ou não é? Dilma, para se eleger, prometeu uma coisa e,
eleita, faz o contrário. Lula, que patrocinou o saque à Petrobras, faz
comício para defendê-la.

Dilma, que negava a existência da corrupção, passou a se dizer
responsável por sua apuração. Esse pessoal se esqueceu de que é mais
fácil pegar um mentiroso do que um coxo.


*Poeta, crítico de arte, membro da Academia Brasileira de Letras e
colunista da Folha de São Paulo.

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