Estado pede anulação da retirada de 792 famílias quilombolas ao redor do CLA no Maranhão

Por G1 MA — São Luís, MA

 Vista área do Aeroporto de Alcântara, localizado na área do Centro de Lançamento de Alcântara (CLA) — Foto: Divulgação/Agência Espacial Brasileira

 

A Secretaria de Estado dos Direitos Humanos e Participação Popular (Sedihpop) enviou uma Nota Técnica (NT) ao general Augusto Heleno, ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) pedindo explicações e solicitando a anulação do remanejamento de 792 famílias que vivem nas proximidades do Centro de Lançamento de Alcântara (CLA), no litoral do Maranhão.

A nota também foi enviada para a Delegacia de Patrimônio da União (DPU) e ao Ministério Público Federal (MPF). De acordo com a Sedihpop, mais de 30 comunidades quilombolas tradicionais podem ser afetadas por conta das ações de remanejamento.

A resolução nº 11/2020 foi publicada no dia 26 de março no Diário Oficial da União (DOU) e integra uma série de medidas do Comitê de Desenvolvimento do Programa Espacial Brasileiro sobre o uso do CLA pelos Estados Unidos, aprovado em novembro de 2019, no Acordo de Salvaguardas Tecnológicas.

A medida foi assinada pelo general Augusto Heleno e prevê que a base especial deve avançar aproximadamente 12 mil hectares, além da área já usada, e por isso será necessário remover as comunidades quilombolas que vivem na região. O documento aprova também um plano de comunicação para as famílias e explica as políticas públicas que serão aplicadas pelo governo federal.

De acordo com o secretário Francisco Gonçalves, a decisão foi precipitada, não consultou os estudos de impactos na região e não levou em consideração a pandemia do novo coronavírus. O secretário disse que solicitou também, com base na Lei de Acesso à Informação (LAI), os documentos de interesse público e que são citados na resolução.

“A resolução aprova documentos que sequer são de conhecimento da sociedade. Queremos saber o que contêm nos relatórios parciais dos Grupos de Trabalho, quais as diretrizes aprovadas destinadas a orientar a elaboração do Plano de Consultas às comunidades quilombolas e por fim, como, de que forma e o que contem esse tal plano de comunicação. A sociedade civil, em especial as comunidades atingidas pelas mudanças propostas na resolução, precisam ser tratadas com respeito e transparência quando o problema pode vir a ferir a dignidade humana de milhares de maranhenses”, disse o secretário.

Impactos

Segundo com Danilo Serejo, membro do Movimento dos Atingidos pela Base Especial de Alcântara (MABE) e da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), o remanejamento dos quilombolas pode causar insegurança alimentar nas comunidades, já o litoral do município é rico em alimentos que são usados para a sobrevivência das famílias.

“Não são qualquer 12 mil hectares. Essa é justamente a região mais estratégica em termos de soberania alimentar porque é o litoral do município. Essas comunidades saindo da região e ficando sob controle dos Estados Unidos, nós vamos instalar um quadro grave de insegurança alimentar”, explicou Danilo Serejo.

Praça central do município de Alcântara no Maranhão. — Foto: Divulgação/Governo do Maranhão

Os ministérios da Defesa, Agricultura, Educação, Saúde, Turismo, Ciência e Tecnologia; Pecuária e Abastecimento; Minas e Energia,terão atuação direta no remanejamento das famílias, promovendo políticas públicas de assentamento que não causem impactos as comunidades.

O Ministério do Turismo, por exemplo, deve promover por meio do Instituto Palmares e do Instituto do Patrimônio Artístico e Histórico Nacional (Iphan) a recomposição de áreas semelhantes aos que os quilombolas realizam suas práticas religiosas.

Para Neto de Azile, ativista afro religioso e especialista em gestão do patrimônio cultural e imaterial, as ações executadas pelo Ministério do Turismo podem provocar uma destruição na identidade cultural, religiosa e biológica das comunidades quilombolas.

“O território é sacralizado por um sacerdote ou sacerdotisa onde se recria a ancestralidade africana no mundo ocidental. O que acontece, neste caso, é um etnocídio concorrendo também para o genocídio dessas comunidades. Nenhum engenheiro poderá determinar que esse ou aquele lugar poderá substituir algo que é sagrado”, disse.

Centro de Lançamento de Alcântara

 Fundado em 1989, o Centro de Lançamento de Alcântara (CLA) é localizado no município de Alcântara, no litoral do Maranhão. A escolha do local foi motivada pela proximidade com a Linha do Equador, que catalisa o impulso dos lançadores, economizando combustível utilizado nos foguetes.

Em março de 2019, representantes dos governos do Brasil e dos Estados Unidos assinaram o Acordo de Salvaguardas Tecnológicas (AST) que permite o uso comercial do CLA. O acordo permite o uso comercial da base de Alcântara e em troca, o governo brasileiro receberá recursos para investir no desenvolvimento e no aperfeiçoamento do Programa Espacial Brasileiro. O território onde a base está localizada permanece sob jurisdição do governo brasileiro.

Segundo o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), a Agência Espacial Brasileira e o Ministério da Defesa poderão entrar na próxima fase do projeto em Alcântara, com a elaboração do plano de operações comerciais da base, com a expectativa de iniciar os lançamentos em 2021.

 

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