Ministros do STF que julgaram Collor relatam até ameaça de morte

Pressões, reuniões a portas fechadas e ameaças de morte marcaram o julgamento do ex-presidente Fernando Collor em 1994, no Supremo Tribunal Federal, segundo relato de magistrados que participaram do momento histórico.
Nos 20 anos do impeachment, o G1 procurou ministros do Supremo na época para ouvir relatos dos bastidores do julgamento que absolveu o ex-presidente, dois anos depois de ele ter os direitos políticos cassados pelo Congresso.
Na ocasião, 8 dos 11 ministros do Supremo participaram da votação na ação penal contra Collor. Dois se abstiveram de votar sob o argumento de que foram indicados para o tribunal pelo próprio ex-presidente – Marco Aurélio Mello e Francisco Rezek. Uma cadeira estava vaga em razão da aposentadoria do ministro Paulo Brossard.
O ex-presidente Fernando Collor durante interrogatório em 1993 referente à ação penal no Supremo que o acusava de corrupção passiva, comandada pelo relator do processo, o então ministro Ilmar Galvão (Foto: Arquivo Fotográfico do Senado Federal)O ex-presidente Fernando Collor durante interrogatório em 1993 referente à ação penal no Supremo que o acusava de corrupção passiva.
Ilmar Galvão também foi indicado por Collor, mas decidiu participar do julgamento e foi sorteado relator da ação penal contra o ex-presidente. Ele votou por inocentar Collor. O placar final ficou em 5 a 3 pela absolvição.
“Eu me convenci de que realmente o Collor usufruiu de uma sobra de campanha para efetuar três despesas: um tratamento dentário – hoje soa ridículo –, a compra de um carro, e uns trabalhos de alguém para melhorar o quintal da Casa da Dinda [de propriedade de Collor]. Eu não podia me convencer de que o Collor teria praticado crime por isso. Tinha prova nos autos das sobras de campanha”, afirmou Ilmar Galvão (leia entrevista do ex-ministro).
O juiz não julga porque acha, pela simpatia. O que eu posso dizer é que não havia prova contra o Collor. Seria um absurdo condenar alguém se não havia prova.”
Collor foi acusado pela Procuradoria Geral da República de se beneficiar de um esquema articulado pelo ex-tesoureiro de campanha Paulo César Farias para arrecadação de dinheiro de empresários que em troca receberiam favores no governo federal. De acordo com a denúncia, o ex-presidente recebeu dinheiro do suposto esquema para pagar despesas pessoais, como a compra de um Fiat Elba.

Também indicado por Collor para assumir vaga no STF, Carlos Velloso foi um dos três ministros que votaram pela condenação do ex-presidente.
“Eu condenei o moço [Collor] e ele me nomeou. Eu declaro que, no fundo do coração, eu mantenho sempre uma gratidão, mas eu não podia como juiz trair a minha consciência e minha ciência. Meu pai, que era juiz de direito, sempre dizia que o juiz sempre tem que decidir com a sua consciência e ciência. E eu não podia abrir mão disso”, disse.
O ministro Néri da Silveira também viu elementos suficientes para condenar Collor por corrupção passiva. Para ele, o ex-presidente recebeu recursos de empresários em esquema de pagamento de propina coordenado por PC Farias.
Collor foi absolvido porque a maioria dos ministros entendeu que, para a condenação por corrupção passiva, seria necessário a comprovação do “ato de ofício” (atitude cometida no exercício da função) em troca do recebimento de dinheiro. Mas Néri da Silveira discorda.
“Eu acho que, em determinados tipos de crimes, não é possível exigir uma prova concreta. Os fatos, a totalidade dos fatos, devem conduzir o juízo do magistrado”, afirmou, ao dizer que seria inviável Collor não ter ciência do esquema de corrupção montado por seu ex-tesoureiro. “Naquele caso, no meu ponto de vista, estava configurada a ligação [entre Collor e o esquema]”, declarou.

Pressão
Os ministros ouvidos pelo G1 relataram que sofreram pressões durante o julgamento de Collor.
Eu acho que, em determinados tipos de crimes, não é possível exigir uma prova concreta. Os fatos, a totalidade dos fatos, devem conduzir o juízo do magistrado”
Néri da Silveira, ex-ministro do Supremo, que votou pela condenação de Collor
“A sociedade, em razão da imprensa, formou logo um juízo contrário. Na ocasião do impeachment, tinha os jovens, caras-pintadas, que pediram o afastamento do presidente”, afirmou Néri da Silveira.

No foco dos opositores e apoiadores de Collor, o relator da ação penal, Ilmar Galvão, afirma que recebeu ameaças de morte.
“Houve até ameaça de morte. Algum sujeito por aí passava um telex ameaçando pessoas da minha família se eu absolvesse o Collor. Ele dizia que se eu absolvesse o Collor, era eu quem iria pagar”, lembrou.
Ilmar Galvão afirmou que guarda até hoje as cartas que recebeu – tanto as que pediam apoio ao ex-presidente, quanto as que traziam ameaças em caso de absolvição. “Eram cem cartas a favor do Collor e uma contra.”

(G1)

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