A EQUIPE DO JORNAL DE HOJE

(Por Nonato Reis)

A justa homenagem que a Câmara Municipal de São Luís prestará nesta segunda-feira ao empresário Cordeiro Filho, fundador do lendário Jornal de Hoje, remete a um tempo igualmente místico. Vejo-me diante do editor-chefe De Campos, um sujeito que parecia estar sempre de mau humor. Tinha a fala grave e o olhar arguto. Eu chegara ali pelas mãos do amigo Gil Maranhão, que nessa época já brilhava como jornalista. Estava de volta a São Luís, após um tempo de malandragem no Rio. A grana acabara e me vi obrigado a sentar de novo diante da máquina de escrever.

-Você sabe escrever? Questionou-me com a cara mais natural do mundo. Com um misto de humor e revolta, devolvi: “Por que o senhor não faz um teste comigo?” Ele aceitou na hora e pediu que eu escrevesse um texto de 30 linhas. “Sobre qual assunto?”, eu quis saber. “Qualquer um, você escolhe”. Alguns minutos depois, entregava o material que ele examinou durante um tempo que me pareceu interminável. Depois ordenou: “Amanhã ,às oito horas, esteja na redação. Apresente-se ao Regis Marques”.

Começava ali um dos melhores períodos da minha vida profissional. No Jornal de Hoje convivi com alguns dos maiores jornalistas do Maranhão. Figuras como Bernardo Coelho de Almeida, Jersan Araújo, Othelino Filho, Regis Marques, Djalma Rodrigues, Ribamar Cardoso, Souzinha, Marinaldo Gonçalves, Adenis Mathias e Raimundo França. Esses, quando eu aportei no JH, já eram nomes consagrados. Mas depois deles veio uma geração promissora, que amadureceu ali. Helciane Araújo, Waldirene Oliveira, Sílvia Moscoso, Josy Ribeiro, Albino Soeiro, Valderina Silveira, Walquíria Santana, Biaman Prado, Amélia Aranha, Ribamar Cavalcante, Manoel dos Santos Neto, Waldemar Ter, Sidney Pereira, Maria Piedade, e tantos outros.

Diferentemente de outros lugares, no Jornal de Hoje trabalhava-se por amor à profissão. Os salários, além de irrisórios e atrasados em quase três meses, eram pagos por meio de vales. Isso após o ciclo de Cordeiro Filho, quando o jornal iniciou uma decadência sem volta. Antes era uma máquina de vendagem. Começou fazendo dura oposição a Castelo, na época governador. Incomodou tanto que, para se ver livre dele, Castelo decidiu cortar o mal pela raiz, comprando-o. Cordeiro permaneceu como diretor-geral, mas já não tinha poder de mando.
Quando eu cheguei ali, já sob os auspícios de Castelo, o jornal ainda era um fenômeno de vendagem, auferia bons lucros e pagava os funcionários em dia. Aliás, o pagamento era feito em duas parcelas. No dia 20 de cada mês se recebia 40% e o restante no dia 05 do mês seguinte.
Desse modo, quase nunca se ficava sem dinheiro. Afora o prestígio de trabalhar num jornal de grande aceitação popular, era o sentido de liberdade que nos motivava a estar ali. Como o jornal fazia oposição ao governo e à prefeitura, o jornalista se sentia solto para elaborar seus textos.
Nessa época as greves pipocavam, tanto no âmbito do Estado como no do Município. O jornal dava ampla cobertura a essas manifestações, por entender que elas colocavam em xeque a autoridade constituída. Eu, Gil e Helciane trabalhávamos pelo período da tarde. A cada um era destinada uma página. Não recebíamos pautas. A orientação era apenas para que explorássemos ao máximo os assuntos explosivos.

Trago imagens memoráveis dessa época. Como a leitura de páginas inteiras do jornal nas assembléias de grevistas, em que se reuniam centenas e até milhares de participantes. Os textos, escritos em linguagem leve, clara e envolvente, tocavam a sensibilidade das pessoas, e muitas choravam copiosamente. Não nos limitávamos a relatar fatos. A idéia era situá-los dentro de um contexto, dar-lhes uma dimensão psicológica.
Assim, na cobertura de uma passeata, descrevíamos o estado de ânimo dos manifestantes, realçávamos um gesto emblemático ou uma palavra de ordem de maior peso, algo que marcasse aquele momento. Some-se a isso a sensibilidade dos fotógrafos, que captavam imagens de enorme significado. Tudo isso harmonizado com um sentido crítico agudo. O resultado era um produto inteligente, de fácil aceitação.
O Jornal de Hoje vendia aos magotes. Na feira da Cohab havia uma banca de periódicos avulsa. Aos domingos eu ficava ali, anonimamente, observando a reação dos leitores. A proporção de venda do JH para o concorrente mais próximo ficava na faixa de 5 para l. Isso acontecia por vários motivos. O jornal tinha a melhor equipe de repórteres, editores e diagramadores; atuava numa linha editorial agressiva, que priorizava a denúncia; exibia uma feição gráfico atraente; e era dirigido com competência. Não havia como dar errado. E por ironia do destino, ou da imperfeição humana, no final deu tudo errado.
Cordeiro Filho, que quase nunca errava, acabou errando quando não podia, ao decidir aceitar Castelo como sócio do jornal. Tivesse se mantido à frente do JH, ditando o seu rumo e definindo as suas estratégias de atuação, o Jornal de Hoje não apenas teria entrado para a história, como efetivamente entrou, mas até hoje estaria influenciando o comportamento da sociedade, fiscalizando de perto as instituições e, afinal, fazendo história, que era a sua maior vocação. Enfim, o JH passou, mas ficou gravado na memória daqueles que escreveram as suas páginas de glória e de quantos que tiveram o prazer de passear os olhos sobre seus textos.

<strong>(Observação do blogueiro: Cordeiro Filho receberá, nesta segunda-feira, o título de Cidadão de São Luís, outorgado por iniciativa do vereador Albino Soeiro, que também trabalhou no Jornal de Hoje)

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