Crônica – Um grande amigo (2)

 

 (Por Djalma Rodrigues)

São Luis ainda respirava ares de província naquele verão de 1976. O trânsito era ameno, a violência se resumia a uma baixa taxa de homicídios. Uma morte no trânsito virava manchete dos poucos jornais impressos e o bairro do Anjo da Guarda começava a se projetar, por conta da  Vale do Rio Doce, hoje apenas Vale e da Boate Guarany, para onde convergiam os endinheirados da Ilha, turistas e marinheiros estrangeiros, para alegres noitadas com  acompanhantes de luxo.

Já havia residido no bairro,  em 1972. Perambulei por outras áreas da cidade, mas naquele ano, estava passando um sufoco danado. Havia conquistado vários amigos no Anjo da Guarda, mas um deles acabou se transformando em irmão. Luziberto Souto da Silva, o Pinto, de quem acabei virando parceiro e confidente. Ele residia com os pais, o mecânico  Humberto, a mãe Luzia, e as irmãs Eliane, a Nina, Flor, Edjane e Maria do Socorro, a Neném, que faleceu precocemente aos 14 anos.

Pinto era eclético, como mecânico e eletricista de autos. Atuava na área do Mercado Central. Num final de tarde, disse-lhe que estava sem ter para onde ir.

“Acaba essa história! Vamos lá pra casa. Depois a gente vê o que faz”.

Me mudei para um lar, trabalhei como auxiliar dele durante alguns anos. Participamos da fundação do Grupo Independente de Teatro Amador (Grita), que encena a Via Sacra há mais de 30 anos pelas ruas do bairro. Em 1977, entrei para o Exército. Dei baixa em novembro e fui trabalhar na Casa Califórnia, no Canto da Fabril, como colocador de acessórios em veículos.

A veia jornalística estava pulsando muito forte. Estava cada vez mais mergulhado em leitura. Até que surgiu o convite do Udes Cruz para trabalhar no O Jornal, como revisor, onde tudo começou.

Mas vamos pular essa história e focar no Pinto, um moreno alto, que atuava como goleiro nas equipes amadoras do bairro. Figura carismática, sempre sorridente, me chamava de irmão. Dividíamos o mesmo quarto e andávamos juntos para a cima e para  baixo.

Zangou uma vez comigo, por conta de uma história envolvendo uma cidadã, durante uma festa de São João. Levei a melhor na disputa, após dizer para a dita cuja, aproveitando que estava no banheiro, que ele era legal, mas tinha um grande problema: espancava mulheres quando ficava bêbado. Estávamos os três numa rodada de cerveja. Ele acabou a noite na solidão.

Dá para saber o resultado. No dia seguinte quis saber o que acontecera, já que a cidadã se mostrava inicialmente encantada com ele. Falei a verdade e ele se irritou. Passou um dia sem trocar uma única palavra, mas tudo voltou à normalidade  logo em seguida.

Casei pela primeira vez em 1980, ainda morando no Anjo da Guarda. Consegui imóvel próprio, mas a amizade com o Pinto e toda a família continuou. Residi um tempo no Parque dos Nobres e era comum, aos finais de família, ele a esposa e os filhos passarem lá em casa para um churrasco e uma cervejada.

Acometido de uma rara patologia, conforme determinou seu médico, Dr. Santos, coronel reformado da Polícia Militar, Pinto faleceu após a amputação das duas pernas. Ele perdeu os membros inferiores e eu perdi um grande amigo, um verdadeiro irmão. A viagem celestial do Pinto aconteceu em 14 de junho de 1999, no Hospital Geral. Ainda Lembro de nossas intermináveis noitadas em disputas de namoradas. Que esteja bem, ao lado do Senhor, que esteja tranquilo e iluminado, como foi brilhante em vida.

 

A saudade ainda bate forte.

 

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