DO BACANGA AO ITAQUI 

*Osmar Gomes dos Santo

Itaqui-Bacanga! Poucas áreas geográficas, talvez nenhuma outra, em todo território maranhense, têm tanto significado. Tanto é que este texto poderia se encerrar na primeira linha, ou mesmo no título, tamanho o simbolismo e carga cultural que essa expressão carrega. Estaria intrínseca toda sua diversidade social, política e econômica compreendida na porção oeste de São Luís, que se limita com o Rio Bacanga, a Baía de São Marcos, o Porto do Itaqui e parte da Zona Rural.

Falar dessa diversidade é mergulhar em uma imensidão de variantes, tangíveis e intangíveis, igualmente reveladoras de aspectos positivos e também negativos, tal como todo aglomerado urbano densamente habitado visto Brasil afora. Aspectos revelados em números que conversam sobre saúde, educação, saneamento, mobilidade, segurança, criminalidade, lazer, dentre outros. Mas que acima de tudo falam de gente.

Apesar de não haver números precisos – bem como ainda resta a falta de uma definição mais clara dos limites geográficos dessa região, em razão das irregularidades nas ocupações dos terrenos –, estima-se que pelo menos 200 mil pessoas residem na área. Alguns entusiastas apontam para um número ainda maior, cerca de 250 mil habitantes, distribuídos em 40 bairros.

Núcleo populacional que começou a ser formar ainda na década de 1960, com famílias inicialmente oriundas da área do Goiabal, que tiveram que se instalar em outra porção de terra. Eis que surgiu o mais famoso de todos os bairros que compõe a região: Anjo da Guarda. As obras do porto e o posterior funcionamento, aliados à construção da Barragem do Bacanga, fez com que a região tivesse um rápido, porém desordenado, crescimento populacional.

A falta de planejamento deu traços que se vê atualmente. Na região há grandes bairros com milhares de moradores, mas que ainda não dispõem de uma rede adequada de aparelhos públicos nas áreas essenciais, uma herança histórica. Isso vem fomentando um debate há pelo menos uma década sobre a municipalização da região, o que não entendo, em um primeiro momento, ser a solução.

Analisando de plano, vejo que necessita de amadurecimento a ideia de emancipação, ao passo que tomo por exemplo a já existente divisão da Ilha de Upaon-Açu, que até hoje encontra problemas em seus limites territoriais. Certamente penso não ser a atitude mais acertada e nem a solução para os problemas ali existentes, os quais devemos enfrentar somando e não dividindo os esforços.

Notadamente é preciso avanço, tal como o que vem sendo intensificado nos últimos anos com o projeto de regularização fundiária. O projeto garante a titularidade do terreno e permite ao proprietário obter empréstimos para melhoria de seu imóvel ou negociar o mesmo mediante financiamento bancário. Dignidade com segurança jurídica.

Concordo que o problema é complexo e que as ações para essa importante região devem ir além do paliativo. É necessário um olhar estratégico, voltado para as suas potencialidades, como agricultura, pesca, indústria, comércio, artesanato, esporte e cultura. Dessa forma, será possível alinhar o desenvolvimento econômico ao social, sendo o progresso capaz de proporcionar oportunidades que atendam os anseios dos moradores da região e de toda São Luís.

Se por um lado ainda falta uma atuação mais arrojada do poder público, incluindo a União, por outro sobra vontade de moradores que parecem ter no sangue o gosto pelo trabalho, pela cultura e pelo esporte, por exemplo. Em minhas eventuais andanças por alguns desses bairros percebo os fortes laços comunitários que permitem um grande poder de articulação em defesa dos seus direitos e garantias constitucionais.

Nesse bojo há gente de todo tipo. Os mais e os menos abastados; os mais e os menos instruídos; os de pele clara e os de pele escura; os que lá nasceram e aqueles das mais variadas origens, com destaque para o interior do Maranhão. Gente em sua grande maioria simples, mas que carrega a honestidade, o sorriso e a solidariedade em dividir o pouco que tem com o próximo.

Não se pode falar de Itaqui-Bacanga, por exemplo, sem mencionar uma das maiores manifestações teatrais a céu aberto do Brasil, que é a Paixão de Cristo do Anjo da Guarda. Centenas de pessoas da comunidade trabalham o ano inteiro para encenar um grandioso espetáculo no período pascal. Isso é fruto de uma comunidade que vive, que ferve, que trabalha, que transforma e realiza.

As rádios comunitárias funcionam como um amálgama social ao conectar os interesses da população com os órgãos públicos e, também, com o restante da sociedade ludovicense. O comércio é pujante, ativo e variado e as riquezas naturais são igualmente diversificadas, com destaque para praias, manguezais, reservas naturais.

Certamente essa porção de terras situada do outro lado da Barragem do Bacanga guarda ainda particularidades que todos deveriam se debruçar e que muito tem a nos ensinar, principalmente no quesito coesão social. Dali advém um sem número de ensinamentos sobre o senso de humanidade que todos devemos ter para com o próximo e que nos é (re)ensinada a cada nova edição da Paixão de Cristo: amai uns aos outros.

*Juiz de Direito da Comarca da Iha de São Luís. Membro das Academias Ludovicense de Letras; Maranhense de Letras Jurídicas e Matinhense de Ciências, Artes e Letras.

 

 

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