Carlos Cunha transpirava poesia e polêmica

 

 O poeta, jornalista e escritor Carlos Cunha foi um dos homens marcantes em minha vida. O conheci em 1972, ao ingressar no Instituto Lourenço de Moraes, de sua propriedade, na rua do Sol, próximo ao Teatro Artur Azevedo. Tinha 14 anos, e  fui cursar a 3ª  série do antigo ginásio, à noite. Ele lecionava História e fazia, de suas aulas, um misto de ensinamentos com bate-papo, geralmente sobre literatura. Na noite de 23 de agosto daquele ano, chegou atrasado e apressado na sala, anunciando que não haveria aula.

Levou todo mundo para a Fonte do Ribeiro, afirmando que iríamos conhecer um dos mais jovens e talentosos poetas do Maranhão. Tratava-se   de Pergentino Holanda, que estava lançando seu livro de estreia,  “Existencial de Agosto”. Na realidade, PH acabou se transformando no mais notável colunista social do Maranhão e recentemente relançou essa obra.

Carlos Cunha transpirava poesia e polêmica. Dirigia o colégio como se fosse um militar. Não admitia alunos de cabelos compridos e, com as alunas, vetava maquiagens pesadas e saias muito curtas. Mas era um boêmio incorrigível, como toda a cidade sabe.

O tempo passou e, em 1977, entrei para o Exército. Nos finais de semanas quando de folga, costumava, com alguns colegas, frequentar os apimentados bares do João Paulo e Caratatiua, como Luso Brasileiro Bar da Torcida Maranhense, Carrinho e tanto outros que davam um brilho especial às noites de São Luís, tendo  jovens mulheres como principais atrativos.

Numa noite de setembro entro no Luso Brasileiro e encontro o poeta e seu inseparável companheiro, o João, numa mesa logo na entrada. O cumprimentei e ele me reconheceu, chamando-me para sentar. Saímos de lá quase ao amanhecer, uma vez que, naquela época não havia limites de horário de funcionamento para a vida noturna, como ocorre atualmente.

Em 1972, o Brasil celebrou os 150 anos da Independência, ocorrida em 1822. A ditadura militar, no auge do milagre brasileiro e dos anos de chumbo do regime, celebrou a data com pompa. Havia ainda resquícios de euforia por conta da conquista, dois atrás, do tricampeonato mundial de futebol, conquistado pela seleção brasileiro no México.

Nesse ano, a seleção brasileira também conquistou a “Taça Independência”, torneio realizado em comemoração ao sesquicentenário da Independência. A final foi contra a equipe de Portugal, no Maracanã. Jairzinho fez o único gol da partida,  aos 44 minutos do segundo tempo, fazendo 99 mil torcedores explodir de alegria.

Em São Luís, o prefeito Haroldo Tavares dava andamento a um conjunto de obras que mudaria o perfil urbanístico da cidade, enquanto o governador Pedro Neiva de Santana começava a manifestar sinais de que não seria submisso às determinações do senador José Sarney, principal liderança política do Estado.

No final de 1979, reencontro Carlos Cunha, por quem já nutria grande admiração, na redação do O JORNAL, na rua Cândido Ribeiro, onde iniciei minha carreira, como revisor. Sempre apressado, expansivo  e com o hábito de levar a mão direita à virilha, como  a espantar uma coceira inexistente, ao me ver foi logo me saudando:

-Vem cá, meu filho!  que fazes aqui? Há quanto tempo…

Respondi que era revisor, conversamos rapidamente e ele ocupou uma das escrivaninhas para redigir uma crônica.

Retomamos, algumas vezes a dividir  mesa de bares, sempre na companhia do João Mota, já falecido. Este se tornou meu amigo e, anos depois, ia semanalmente ao jornal ATOS E FATOS, me levar  os artigos dominicais de Wanda Cunha, filha do poeta. O mundo é muito pequeno e São Luís, minúscula. Todo mundo se conhece e se entrelaça.

Voltaria a cruzar o caminho de Carlos Cunha na década de 1980, no JORNAL DE HOJE, onde ele também contribuiu com artigos e crônicas. Durante nossos etílicos encontros, sempre dizia que eu iria longe, afirmando perceber que era muito apaixonado pelo jornalismo. Isso me encantava e acabávamos rompendo a aurora do amanhecer.

Ainda no Instituto Lourenço de Moraes, conheci a esposa dele, dona Plácida, uma figura serena, cujo nome era uma assertiva ao seu comportamento. Os filhos Carlito, Rossana, Rosana, Daniela, Wanda, Jean, Isabel e Teresa, estes três últimos falecidos.

Ele me conquistou pelo seu talento, pela sua inteligência, a poesia, a sua maneira. Poderia ser amável como um monge e valente como um guerreiro medieval, de acordo com as circunstâncias.  Parece que se alimentava da poesia e também da polêmica. Era membro da Academia de Letras e chegou a travar muitas polêmicas. Uma delas foi com o José Chagas. Não fugia a um embate. Mostrou intensidade em tudo o que fazia.

Em dezembro do ano passado, ele  foi homenageado na 15ª edição da Feira do Livro de São Luís (Felis),  realizada no Centro de Convenções da UFMA,  numa promoção da Prefeitura de São Luís, por meio da Secretaria Municipal de Cultura (Secult) e Secretaria Municipal de Educação (Semed). Fui convidado pela sua ilha Wanda, para participar de uma roda de conversa, onde fiz  explanação sobre minha ligação com esse grande literato, de quem fui aluno, amigo de mesa de bar e de redação de jornal. Tive, com ele, um grande aprendizado.

Um homem inquieto e de múltiplos talentos. Nasceu em São Luís, em 18 de maio de 1933. Professor, jornalista, escritor, historiador, trovador, ensaísta, crítico literário, declamador, poeta. Foi grande incentivador de várias gerações, principalmente nas áreas de Educação, Jornalismo e Literatura.

Ingressou no jornalismo aos dezessete anos. Fundou seu próprio órgão de comunicação, o  jornal POSIÇÃO, que trazia o slogan “O jornal que não suja as mãos nem a consciência”, por meio do qual combatia os malversadores do dinheiro público e os maus governantes.

Como educador, fundou, em 1959, o Instituto Lourenço de Moraes, entidade mantenedora do Colégio “Nina Rodrigues”, escola de cunho eminentemente social, levando educação aos menos favorecidos economicamente.

Formado em História, Geografia e Filosofia, Carlos Cunha também integrou a rede de educadores do ensino público e exerceu cargos públicos de assessor de imprensa. Entrou para a Academia Maranhense de Letras em 1968, ocupando a cadeira Nº 33, fundada por Viriato Correia. Também foi membro do Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão (IHGM), da Associação Brasileiro de Imprensa, da União Brasileira de Escritores e de outras entidades respeitáveis no país. Foi o primeiro delegado da União Brasil de Trovadores, Seção no Maranhão. Em 07/12/1968, fundou a Academia Maranhense de Trovas, da qual fora seu primeiro presidente.

Publicou mais de 30 livros, dentre os quais “Poesia de ontem”, “Dois discursos”, “Eu e a Academia Maranhense de Trovas”, “Perfil de Pandiá Calógeras!, “Vultos Históricos à Luz da Crítica Moderna”, “Poesia Maranhense Hoje ou 50 Anos de Poesia”, ”A Páscoa da Gaivota”, “As Lâmpadas do Sol”, ”Cancioneiro do menino grande”, “Ballet de santos e demônios”, “Moinhos da Memória” e “O Caçador da Estrela Verde”,  seu livro de memórias. Como declamador, conquistou admiração da sociedade, difundindo poesias suas e de escritores brasileiros, chegando a interpretar o monólogo AS MÃOS DE EURÍDICE, de Pedro Bloch em teatros do Piauí e Ceará. Faleceu  no dia 22 de outubro de 1990, em São Luís/MA, abrindo uma grande lacuna no jornalismo e na literatura do Maranhão.

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