O sereno e conciliador Deco Soares

Sempre disse que guardo respeito e gratidão por todos os ex-presidentes da Câmara Municipal de São Luís que me nomearam para o cargo de Diretor de Comunicação Social, entre os anos de 1993 a 2015, com hiatos nas gestões de Ivan Sarney e Isaías Pereirinha. Todos eles serão retratados por este cronista, com a abordagem de suas características e ações.

O primeiro deles é o ex-vereador Osvaldo Henrique Deco Costa Soares, o Deco Soares, sobrinho do ex-presidente José Sarney e filho do tabelião Tito Soares, com a falecida Lucy Soares, irmã de Sarney. Foi dirigente do Legislativo Ludovicense no biênio 1992/1993, numa eleição realizada sem qualquer turbulência, já que  seu  nome  foi aclamado pelos colegas.

Aos 33 anos, foi, à época, o mais jovem político a ser eleito para conduzir a casa de Simão Estácio da Silveira. Uma administração sem abalos, por conta do perfil tranquilo e de sua capacidade de conciliação. Chegou, inclusive a assumir a Prefeitura de São Luís, interinamente, durante a administração de Jackson Lago (PDT),  um dos mais ferrenhos críticos da política adotada pelo então chefe político local, ex-presidente Sarney.

Eleições para Mesa Diretora de parlamento, seja no Congresso Nacional, assembleias legislativas ou câmaras municipais costumam ser permeadas de lances dignos de filmografias, com manobras e articulações que fogem à normalidade.

Com Deco Soares, foi diferente. Isso porque na Legislatura em que foi guindado ao cargo de gestor (1989/1992), a Câmara teve uma configuração completamente diferente da anterior (1983/1988). Nesta, as forças políticas eram equilibradas, com 11 vereadores do bloco governistas e 10 representando a oposição.

Nesse período, o grupo da oposição era representado por algo em torno de apenas cinco parlamentares. Mesmo assim, houve uma iniciativa do vereador Raimundo Assub, que queria a realização de uma escolha prévia, dentro do grupo, para a indicação do nome a ser ungido pelo bloco. A oposição, em ampla minoria, não iria lançar candidato.

Foi exatamente por essa tentativa de Assub, que entrei, como  coadjuvante, nesse eletrizante cenário da política, com seus intrigantes e mirabolantes  jogos internos.  Manobras de elevada inteligência e também de malícia. Manoel Ribeiro era  o presidente da Câmara. Na véspera da eleição, em 14 de dezembro de 1990, eu morava no Parque dos Nobres e, por volta das 22h. fui alcançado, via telefone analógico pelo Udes Cruz.

-Djalma, tu tens que ajudar o Assub! Ele precisa do voto do Sebastião do Coroado, para que seu nome seja referendado numa prévia dentro do grupo. Se isso acontecer, ele ganha a eleição. Tens que ir para a casa do Sebastião logo bem cedo. Vou pra lá- Me disse o Udes.

Como estava sem carro, ele imediatamente providenciou uma Panorama. Deixaram o veículo lá em casa exatamente à meia-noite. Acordei às 5h, me arrumei tomei café e rumei para a residência do vereador Sebastião do Coroado, no bairro que ele adotou no sobrenome, por trás da feira do João Paulo. É localizada numa ruazinha tortuosa, onde também ficava o terreiro de sua religião de matriz africana. Foi um vereador e pai de santo muito famoso na cidade, por força de suas ações sociais em auxílio às camadas menos favorecidas.

  Cheguei à casa do Sebastião quando faltavam 10 minutos para as 6h. Udes já estava lá, junto com o jornalista  Luís Cardoso. Fui recebido com um forte abraço pelo vereador e eu, Udes e o Cardoso fomos conversar com ele no quintal da casa. Disse que votaria no Assub na prévia e na eleição oficial. Ficamos tranquilo.

A tranquilidade durou pouco. Minutos depois, chega lá o empresário Atêncio Queiroga, então suplente de vereador, muito ligado ao Manoel Ribeiro. Alertei o Udes, que a chegada do Atêncio representava um perigo  para o Assub. Ele fez pouco caso.

-Deixa essa preocupação de lado! Sebastião já está no nosso grupo. Não tem perigo nenhum- me disse o Udes.

Acontece que instantes depois, o Atêncio colocou o Sebastião no seu veículo e saiu em disparada, rumo  à residência do Manoel Ribeiro, no Olho D,Água. E lá, havia uma outra articulação, sobre o comando do próprio Manoel Ribeiro e da antão poderosa primeira-dama do Estado, Nice Lobão, à época secretária de Estado de Ação Social.

Depois de muita conversação, muitos acordos, foi definido que Deco seria o candidato, sem disputa e assim foi feito.

Deco Soares foi eleito presidente e a Mesa ficou assim formada:

Presidente-Deco Soares

1° Vice-Presidente –Pavão Filho

2°Mário Lauande

1° Secretário- Lia Varela

2° Secretário- Samuel Sá

3° Secretário- João Evangelista

4° Secretário –Tadeu Palácio

 E foi exatamente depois de sua eleição para a presidência do Legislativo Municipal que eu e Deco estreitamos nossa amizade. Estávamos em lados opostos na política. Ele sobrinho de Sarney e eu, diretor de redação do JORNAL DE HOJE, de propriedade do então senador João Castelo, ex-governador, e que havia se transformado no mais ferrenho adversário do sarneisismo.

Em 1990,  o grupo Sarney lançou uma grande força tarefa visando eleger o então deputado federal Sarney Filho governador do Estado. Seu nome foi anunciado com estardalhaço pelo sistema de comunicação da família. Tinha apenas 30 anos e foi preciso mudar o artigo da Constituição Estadual que estabelecia a idade mínima de 35 anos para qualquer cidadão se credenciar à governabilidade estadual.

Mesmo assim, o nome não encontrou respaldo na opinião pública. As pesquisas o colocavam abaixo da linha da disputa. O jornal O ESTADO DO MARANHÃO publicou uma matéria apontando o suposto favoritismo de Sarney Filho. Rebati com um editorial intitulado “O Zé Mentira”.  Fui processado por calúnia, injúria e difamação.

Estava na redação do JH, numa manhã de quarta-feira, dias depois da publicação do editorial, quando recebo o telefonema do advogado Josemar Pinheiro.

-Estou aqui no cartório da 2ª Vara Criminal. Tem um processo contra ti, do Sarney Filho. Estou me credenciando logo como teu advogado, sem honorários, tu és meu amigo-, disse o Josemar.

Pedi que ele conseguisse, junto ao escrivão, o saudoso Santos Carvalho, que me enviasse uma cópia da peça jurídica, o que foi feito.

Publiquei na íntegra, criticando o grupo Sarney. O time de juristas que se prontificou a atuar em minha defesa era de peso Carlos Nina, Milson Coutinho e, além do Josemar Pinheiro, o então deputado estadual José Bento Neves.

Como nunca avançou nas pesquisas, Sarney Filho teve seu nome substituído por  Edison Lobão, que venceu a disputa contra João Castelo, no segundo turno.

No primeiro turno, Castelo  registrou vantagem em relação a Lobão, conquistando 595 mil votos a 459 mil. A terceira colocada, Conceição Andrade, recebeu 246 mil votos.

O presidente Fernando Collor, que apoiou Castelo, foi acusado por Lobão de interferir indevidamente na disputa, através de nomeações para cargos públicos. No segundo turno, em novembro, Lobão virou e foi eleito com 695 mil votos (53,90%), ante 594 mil de Castelo (46,1%).

O grupo Sarney saiu ainda mais fortalecido, porque havia vencido o candidato do presidente da República. Pensei que fosse parar na cadeia, por conta da força política adversária, já que eu dirigia o jornal do seu principal opositor e estava sendo processado pelo filho do líder.

Eis que, na semana seguinte à sua posse como presidente da Câmara, num sábado pela manhã, recebo um telefonema da saudosa Telma Belfort, muito amiga da família Sarney. Ela residia no Solar dos Lusitanos, no Turu, ao lado onde tive um imóvel, no qual nunca morei.

-Deco Soares está aqui, querendo falar contigo!

Passou o telefone para o vereador que me disse:

-Estamos aqui, na casa da Telma, comemorando a vitória. Vem pra cá agora.

Peguei o velho Fiat 147 e rumei para o local. Na entrada, vi o Sarney Filho e o Adriano Sarney, ainda garotinho e refuguei. Parei o carro, entrei pelo portão, para evitar contato com o parlamentar que me processava e encontrei o Deco na cozinha.

-Vou embora, presidente. Não posso ficar no mesmo local onde está quem quer me mandar para a penitenciária- Disse.

-Calma parente. Não se resolve nada assim. Tudo tem que ser conversado. Ele quer falar contigo. Vamos acabar com essa pendenga é agora-me respondeu.

Em seguida, chamou o Sarney Filho e fomos conversar numa área isolada.

Papo conciliador. Sarney Filho disse que ia  retirar o processo, sob o argumento que, no período, tinha que dar uma resposta à sociedade, e tudo ficou no passado. Acabei simpatizando com ele e fui seu interlocutor várias vazes após esse episódio, principalmente em Brasília, sempre que viajava a serviço da Federação dos Municípios do Estado do Maranhão (FAMEM).

Deco Soares mostrou ser um homem conciliador e extremamente sereno. Sua gestão foi marcada pelo clima de cordialidade. Vereadores oposicionistas não eram excluídos das decisões e o funcionalismo nunca enfrentou turbulências. Se transforou num amigo dileto. Abandonou a política e hoje cuida dos negócios particulares. Um grande ser humano.

 

 

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