João Evangelista, um furacão na política do Maranhão

Difícil dimensionar de onde brotava tanta energia, talento e dedicação do saudoso João Evangelista Serra dos Santos, transformado, por conta de sua luta, num autêntico furacão na política maranhense. Foi um dos mais fortes e carismáticos líderes  políticos de sua época, conquistando seu espaço com sangue suor e lágrimas. Não teve espólio. Suas conquistas foram por ousadia, mérito e questão vocacional.

Tive o privilégio de acompanhar sua trajetória, privar de sua amizade e de acompanhá-lo como diretor de Comunicação Social durante sua gestão como presidente da Câmara Municipal de São Luís, no biênio 1994/1995.

Nossos caminhos se cruzaram, na realidade, em 1977, no 24° Batalhão de Caçadores, no Exército, onde servimos na mesma unidade, a Segunda Companhia de Fuzileiros. Ele ingressou no ano anterior, mas ficou para dar baixa no ano em que ingressei. Nosso contato foi apenas superficial naquele período, conversas amenas entre dois jovens que estavam buscando seus rumos, ainda sem projetos definidos de futuro.

Fomos nos reencontrar mais de duas décadas depois, quando ele já era político de mandato, como vereador de São Luís e eu jornalista integrante da lendária equipe do JORNAL DE HOJE.  Eleito vereador pela primeira vez em 1988, era aliado do ex-governador João Castelo, proprietário do matutino, e costumeiramente ia à redação do matutino.

Como eu fazia cobertura na Câmara, estreitamos mais ainda nossos laços. Sempre dizia, no final dos nos 1980, que ainda seria presidente da Câmara Municipal e que sonhava ser prefeito de São Luís. Confesso que não dava muito crédito ao sonho do jovem parlamentar.

Mesmo assim, o admirava, em razão de conhecer sua luta. Oriundo do povoado Santana, no pequena cidade de São João Batista, chegou em São Luís tocado pela necessidade e foi ser comerciário na rua Grande, atuando numa loja de calçados.

Fui conhecer todo o seu potencial a partir de sua reeleição para a Câmara, no pleito de 1992. Antes de assumir o segundo mandato, enviou um de seus assessores, de nome Benedito, à minha casa, no Parque dos Nobres, com a missão de  que fosse conversar com ele, em seu gabinete, na Câmara, numa tarde de quarta-feira. Isso, no final de novembro.

Fui e ele me recebeu dizendo, de forma entusiasmada:

-Meu preto, sou candidato a presidente da Câmara e tu será o meu homem da área de Comunicação!

Ponderei, afirmando  que não poderia assumir qualquer compromisso, até porque já ocupava a função de diretor do setor, com o então presidente Deco Soares, que não havia sido reeleito. Disse que seguiria a orientação dele até o final de seu mandato como presidente, que ia se expirar no dia primeiro de janeiro de 1993, quando da eleição e posse da nova Mesa Diretora.

Ele então ligou para Deco Soares,  conversou  por uns três minutos e me passou o telefone. Deco disse  que o apoiava e me liberou.

Agora, Djalma, quero dar o pontapé inicial, o que sugeres?

Orientei para que reuníssemos a imprensa num almoço para anunciar a candidatura. Apontei o restaurante Base da Lenoca, que funcionava próximo à Prefeitura, como melhor opção, porque os jornalistas que cobriam, tanto a  Câmara como a  Assembleia Legislativa, à época na rua do Egito, em sua maioria, não tinham carro, e o local facilitava a participação de todos.

Pediu que assumisse logo a função de comunicador da campanha presidencial e fizesse a convocação para a entrevista coletiva de lançamento. O almoço ocorreu numa sexta-feira. Contabilizamos 35 comunicadores, incluindo jornalistas da mídia impressa, radialistas e integrantes de redes de televisão. Um sucesso. Foi o assunto do final de semana.

  Domingo pela manhã, ele me liga bem cedo, feliz da vida e pede que me dirija à sua residência, no  Cohatrac. Cheguei por volta das 10h. Me deu um forte abraço e me disse:

-Tudo indica que seremos presidente! Gostei muito do trabalho e temos que discutir os próximos passos.

Sugeri a elaboração de  um plano de ação para apresentar  a  vários segmentos da sociedade, como forma de manter o nome em evidência e conquistar apoios.

Na terça-feira o plano estava pronto. Ele gostou da ideia e o documento foi apresentado na Fiema, Associação Comercial, sindicatos e até ao comando do 24° BC. O projeto de gestão contemplava jovens que haviam servido o Exército, com sugestões para a inserção no mercado de trabalho.

O levei para entrevistas em várias emissoras de rádio, TV e pedi a alguns amigos colunistas de matutinos,  que sempre mantivessem o nome dele em suas respectivas colunas,  com base em suas propostas de campanha.

  O entusiasmo era grande na equipe. O adversário preocupava. Era o vereador Tadeu Palácio, que detinha o apoio declarado do então prefeito Jackson Lago, que havia conseguido fazer sua sucessora, Conceição Andrade. Ela tomaria posse junto com os vereadores, exatamente no dia da eleição da Mesa Diretora do Legislativo Municipal.

Em dezembro, as manobras estavam em pleno andamento. Os dois lados utilizavam as armas que dispunham. Um autêntico xadrez político. A cada hora, uma informação diferenciada sobre quem detinha mais apoios. Notas em colunas políticas e notícias em emissoras de rádio, sobre quem tinha maioria para vencer a disputa faziam a população ficar atônita. Como numa guerra convencional, em disputa política, a primeira vítima é a verdade.

Em meio  a um vendaval de informações desencontradas, surge uma viagem para um congresso de vereadores, em Foz do Iguaçu, no Paraná. Evento que duraria três dias. Evangelista fala com Deco Soares para me incluir na viagem. Viajei com a orientação de ficar atento a tudo. Participaram do evento vereadores dos dois lados. Apesar de tudo, era uma disputa  marcada pela civilidade. Eu e o João Evangelista chegamos a sentar na mesma mesa, no hotel Bourbon, com Tadeu Palácio e alguns dos vereadores que o apoiavam.

Posso dizer que nessa viagem, aprendi a blefar na política. Uma história interessante.

O vereador Antônio José Manga, professor e dono de escola, estava relacionado como integrante da tropa de choque de Tadeu Palácio. Ele era muito amigo do meu falecido irmão, João da Mata, que morava na Ilha do Governador, no Rio de Janeiro. Se hospedava na casa dele, quando ia àquele Estado.

Na segunda noite em Foz do Iguaçu, por volta das 22h, eu estava no hall do hotel, quando Manga desembarca de um táxi e me chama para que tomasse uma cerveja com ele no bar. Disse que estava com problema de saúde mas o acompanharia, tomaria um suco.

 Toda a conversa girou em torno da disputa  João Evangelista/Tadeu Palácio. No meio do bate papo. Disse-lhe que estaria melhor situado ao lado do Evangelista, argumentando que assim como ele (Manga), Evangelista era egresso de família humilde e teriam mais facilidade de entendimento.

-Baixinho, se  me colocar como primeiro vice-presidente, fecho com ele na hora!

Veio aí o blefe. Respondi que estava credenciado a fazer acordos em torno da composição da Mesa Diretora e que pela manhã lhe daria uma resposta definitiva.

Fomos para os respectivos apartamentos por volta da meia noite. Liguei nervosamente para o quarto do Evangelista. Ele estava acordado. Relatei o teor da conversa com Manga. Ele aplaudiu e disse que, no dia seguinte, bem cedo iria conversar com ele. Mandou que às 7h o levasse para um encontro, por trás da área da ´piscina, onde ninguém pudesse vê-los.

Fui às 6h30 no quarto do Manga, com a orientação. Ele tomou banho, foi ao restaurante tomou café e se dirigiu ao local indicado. Chegou  no Paraná no grupo de Tadeu e voltou para São Luís como vice-presidente de João Evangelista.

Ganhei musculatura no grupo. Era convocado para praticamente todas as reuniões. Fui designado para trabalhar o voto do saudoso Sebastião do Coroado, até então indeciso, mas alvo de forte assédio por parte do grupo adversário, tento como intermediário, além dos vereadores, o empresário Otávio Cunha, à época poderoso presidente do  Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros de São Luís (SET).

Disputa pela presidência da Câmara é interessante. Mobiliza toda  cidade. Gente que sequer frequenta a Casa se envolve. É algo emocionante. Provoca acirrada disputa até entre famílias.

Sebastião estava no auge de sua carreira. Além de vereador, presidia a Federação de Umbanda e Culto Afro Brasileiro do Maranhão. Organizava,  no último dia do ano, a grande festa na praia do Olho D,Água, reunindo membros de terreiros da religião de matriz africana de São Luís e de vários outros municípios.

O SET, com apoio da Prefeitura, cedia ônibus para o transpores dos filhos de santo. Era um voto difícil para João Evangelista. Passei e ir toda noite para a casa dele, no Coroado, por trás da feira do João Paulo. Pegava uns búzios, em meio a conversa, jogava na mesa, fazia uns movimentos e dizia:

-Tá dando Tadeu Palácio!

O tempo estava passando. Faltavam três dias para a eleição e eu indaguei:

-Com sua força espiritual, e sendo amigo do Evangelista, não dá pra mudar essa história?

Ele respondeu que sim, mas que precisava de um trabalho muito forte.

Foi marcado um encontro com o João e ele fez o trabalho forte. Ingressou no grupo, mas jamais deixou de ser assediado.

Na véspera da posse, pediu que fizesse a declaração do  seu patrimônio, para apresentar à Justiça Eleitoral. Fiz e o grupo ficou hospedado no Hotel Araçagi. Sugeri que não colocasse o nome dele como hóspede, para evitar que recebesse uma avalanche de telefonemas. Assim foi feito.

Ficou definido que ele teria  dois apartamentos, porque iria levar alguns filhos. No dia 31 de dezembro, ninguém dormiu. Fui levar o Sebastião para sua festa na praia, acompanhado  de dois  seguranças. Dei ordens expressas de se aproximarem de qualquer desconhecido que chegasse perto do vereador.

O festejo religioso terminou às 4h da manhã. Chegamos no hotel às 5h.  João Evangelista, Assub, José Joaquim, Chico Carvalho, João Bentivi, Pavão Filho e outros vereadores estavam à espera, na entrada do hotel. Cheguei com o ele e todo mundo se tranquilizou.

João Evangelista se elege presidente e inicia uma trajetória de liderança que até hoje provoca surpresa e admiração. Era um homem incansável e obstinado. Logo após eleito, mostra seu lado sensível. Começa uma série de mudanças. Numa manhã fde segunda-feira, reuniu todos os funcionários no pátio da Câmara e afirmou:

-Quero agradecer a todos que torceram por mim, falar da gratidão pela vitória e dizer que não estou aqui com o intuito de tirar o pão da boca de nenhuma família. Nenhum dos servidores que trabalham será demitido, podem ficar tranquilo.

Conquistou ao servidores, fez uma gestão compartilhada com os demais colegas e se lançou candidato a deputado estadual. Participei da campanha. Ele era movido a ideais e pela política.

Inesquecível uma dessas jornadas. Fizemos uma caminhada sob sol escaldante no Anjo da Guarda, das 14h às 16h. De lá, rumamos para o São Francisco, onde houve outra caminhada, seguida de um rápido comício e, ao final, já por volta das 19h, ele decidiu que iríamos direto para a cidade de Pio XII, onde aconteceria um evento na manhã seguinte, organizado pelo então prefeito Jansen Veloso, seu correligionário e cabo eleitoral.

Há uma história interessante sobre a sua eleição para deputado e o resultado para o governo do Estado naquele ano de 1994. A disputa era entre Epitácio Cafeteira e  Roseana Sarney.  Cafeteira estava sendo apoiado por João Castelo, que disputava o Senado. Evangelista era castelista. Se elegeu obtendo, só na Ilha, 18 mil votos.

No intervalo do primeiro para o segundo turno da eleição governamental, ele foi vítima de intrigas dentro do grupo, o que provocou seu afastamento de Cafeteira, embora ele tenha tentado, de todas as formas se manter na oposição. O acompanhei num doingo pela manhã, numa conversa com  João Castelo, na Quimicanorte, na estrada de São José de Ribamar, onde falou que queria permanecer no bloco, mas enfatizando que estava sendo ignorado por  Cafeteira. Castelo tentou contornar a situação e não conseguiu.

Sem ambiente, foi levado por Chico Carvalho para conversar com o grupo Sarney. Roseana acabou vencendo a disputa exatamente por 18 mil votos de diferença. Cafeteira foi derrotado por conta de intriga de aliados.

 Na Assembleia Legislativa, foi eleito quatro vezes e permaneceu de  1995 a 2010,  e presidente daquele poder de 2005 a 2009. É pai do deputado estadual Neto Evangelista.

Foi ainda gerente regional de Zé Doca, quando Roseana mudou a nomenclatura de secretarias para gerências.

Permaneceu no grupo Sarney até 2004, porque preferiu acompanhar o então governador Zé Reibaldo, ex-vice de Roseana, que rompeu com a família Sarney, por conta das desavenças entre Roseana e a então primeira-dama, Alexandra Tavares.

Foi uma das principais lideranças do movimento “Frente pela Libertação do Maranhão,”  que levou Jackson Lago ao governo do Estado, em 2006. Zé Reinaldo costuma dizer que, após o rompimento com os Sarney, só conseguiu a governabilidade em decorrência do apoio que recebeu de Evangelista, na presidência da Assembleia Legislativa, Cleomar Tema, como prefeito de Tuntum e presidente da Federação dos Municípios do Estado do Maranhão (FAMEM), Humberto Coutinho,  prefeito de Caxias na época e principal  liderança política   da região do Leste maranhense,  e Rubem Pereira, deputado estadual  e líder da  cidade de Matões.

Já no grupo de oposição e muito ligado a Zé Reinaldo, se aproximou de Jackson Lago, com quem manteve uma forte aliança, até o seu falecimento.

Teve sua vida abreviada  na madrugada   do dia 15 de maio de 2010, no Hospital São Domingos, em São Luís, após três meses de internação por complicações decorrentes da retirada de um tumor maligno do cérebro.

Semanas antes de morrer, fui visitá-lo, por insistência de um amigo comum, o Hernane Curió. Não queria vê-lo naquele estado. Pensava manter apenas aquela imagem do homem disposto e incansável que conheci. Sua imagem no leito do hospital me deixou muito triste. Cego e inerte, recebendo massagens da esposa Georgina. Uma cena comovente, que me desorientou momentaneamente.

O corpo do parlamentar foi sepultado com honras militares, no Cemitério Parque da Saudade, no Vinhais.

Havia descoberto o tumor   dois anos antes, durante um check-up de rotina em São Paulo. Completaria 53 anos no dia 3 de junho daquele ano.

Teve uma vida marcada por lutas e conquistas, fruto de um trabalho meticuloso e de muito esforço. Deixou um grande legado na política do Maranhão, onde se destacou por ser um parlamentar ousado e de posições firmes.  Um homem hábil e de larga visão. Um furacão na política do Estado.

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