Hora! Hora! Te enxerga.

                         – José Bernardo Silva  Rodrigues

Há tempo, muito tempo, desde criança ouvia a exclamação acima. Nada entendia. Georgino – Nhô e Ana Amélia, meus pais e de mais nove (9) filhos, seis meninos e quatro (4), meninas, trabalhavam de sol a sol para sustentar a família, mantendo todos na escola pública.

Da primeira infância a lembrança de uma casa coberta de palha, parede de taipa e piso de terra batida, em um local onde não havia luz elétrica, água encanada e sequer uma rua. Havia, para o acesso, um caminho.

Muito bem! Nada de extraordinário só por isto, visto que milhares de famílias sobreviviam desta forma, apesar deste local distar menos de 4 km do Centro Comercial e Administrativo da Cidade.

O extraordinário, diante de toda a adversidade, é que Georgino e Ana Amélia, de poucas letras, uniram-se para sempre em um compromisso que não permitia que as atrocidades daquele tempo nos atingissem. Daquele tempo? “O que é já fi e sempre será” –(Eclesiastes)

Mercê de tudo isto, forjaram personalidades e caráter sólidos nos filhos, posto que constituído no orgulho da dignidade, crescer e viver do suor do próprio rosto, merecendo o pão de cada dia. Por isto e muito mais, registro, com pesar, que ele nos deixou aos noventa e três (93) anos e, logo depois, ela, aos oitenta e oito (88), ressaltando que, na aposentadoria, foram tratados como filhos, em uma residência digna.

Oriundo da Escola Pública, especialmente do Liceu Maranhense, por obra e graça de Deus, logo ao ingressar na Faculdade de Direito, situada na Rua do Sol, defronte ao Teatro Arthur Azevedo, um dos seus anjos “apareceu” na Faculdade e convidou os alunos para um estágio na Secretaria de Administração do Estado do Maranhão. Nos animamos, mas logo um balde de água fria – sem remuneração. Contudo, refeitos do susto, aceitamos o convite. Nos submetemos a um treinamento e, orgulhosamente, lançamos mãos à obra.     

E, sempre por Deus, decorridos mais ou menos dois (2) meses, veio a maravilhosa notícia: a primeira gratificação. O estágio sem remuneração transformou-se no primeiro emprego e estou empregado, até hoje.

Ah! Quase esqueço. Tive pai e mãe. Repito, tive pai e mãe na verdadeira acepção das palavras. Hoje, pai e avô, vejo com tristeza, a destruição das famílias, da falta de respeito entre pais e filhos. Alunos e professores em guerra.

Pois bem! Salto para a frente.

Depois de advogar por mais de dez anos, ingressei na Magistratura maranhense onde estou há mais de trinta e sete anos e, como Juiz fui Diretor do Fórum da Justiça Comum e Eleitoral e, nesta, também fui membro substituto e depois titular do Tribunal Regional.

                       Promovido por merecimento para o Tribunal de Justiça do Maranhão, fui o primeiro Ouvidor Geral e, eleito membro titular do TRE/MA. Lá, fui Ouvidor, Vice-Presidente, Corregedor e Presidente – tudo sem cota.

Recentemente tomei conhecimento do 2º Encontro Nacional de Juízas e Juízes Negros – Brasília  (DF). Não soube do primeiro.

Confesso que fiquei muito curioso, porque ousado e oportuno. Tenho minhas convicções: não quero direito igual a quem quer que seja. Quero respeito. Por isto me respeito e respeito o outro. Além disto, o foco no princípio da igualdade como colimado por muitos, parece beirar a inveja. O outro tem, porque eu não tenho?

Mas, que bela surpresa. Primeiro pelo encontro com a comunidade jurídica, não só magistrados; segundo porque o grau de maturidade no tratar o tema foi extraordinário. Nada de tolice. Problema conhecido a ser enfrentado.

Preconceito existe e sempre existirá. Como enfrentá-lo? O que está acontecendo para o baixo número de negros nas carreiras jurídicas?

Diante deste quadro, sinto a necessidade de mostrar o caminho percorrido e como logrei êxito na vida, apesar de todos os pesares.

Desde muito tempo, foquei na diferença e não na igualdade. Logo cedo percebi a diferença em todas as dimensões.

Encontro na literatura bíblica ensinamentos, para mim, irrefutáveis. Livros de verdadeira sabedoria, luz para o conhecimento de mim mesmo e do outro, da natureza e da vida.

O Eclesiastes também me ensinou “que tudo é vaidade”“que tudo depende do tempo e das circunstâncias”“que, nem sempre o melhor é o vencedor”. Estas coisas que levam a uma profunda reflexão. O que estou fazendo aqui? Qual a minha finalidade na vida?

E, novamente o Eclesiastes me diz: “a única coisa que interessa é comer, beber e fazer o bem enquanto há vida”, pois tudo aqui na terra é vaidade.

Então, porque padecer buscando igualdade?

Caminhando no tempo encontro a parábola dos talentos, ensinando que “há um talento para um, dois para outro e três para outros”.

Não posso deixar de ver as diferenças, posto que na mesma atividade uns são melhores que outros.

Vejamos no futebol, também minha praia. Lá Pelé foi Pelé, e os outros, simplesmente os outros. Porque então tenho que sofrer buscando igualdade? Por que não busco a mim mesmo na liberdade do escolher consciente?

E, novamente encontro outro Livro Bíblico – Coríntios – que nos mostra os Dons. Cada um tem o seu – diferenças, não descuidando de que, aquele que não desenvolve o seu talento perder-lo-á.

Assim eu passo à Carta Magna/1988 – Art. 1º; inc. II – Cidadania; inc III – Dignidade da pessoa humana. Vejamos então, cidadania invoca cumprimento de deveres, posta topograficamente antes da dignidade da pessoa humana – direitos.

Mais ainda, o art. 5º da Constituição Federal, não diz “todos são iguais” – ponto. Diz, “perante a lei”, estabelecendo de pronto a diferença. Simples assim, seja preto, branco ou quem quer que seja, pois vivemos em um Estado Democrático de Direito, o que implica em responsabilidades pessoais e, cumprindo deveres, nos habilitamos à exigibilidade de nossos direitos.

Dito isto, tenho que parece necessário calibrar o foco do princípio da igualdade. Conhecer-se, conhecer o outro, a realidade, a vida, nos situarmos. Pois a mesa da vida está posta diante de nós (Salmo 22), e nela há tudo, mas precisamos conhecer o que está posto na mesa. Vivemos no reino da Terra, onde o mal existe (Salmo 90).

Há necessidade de cuidados com a nossa força física – cuidar do corpo; da força intelectual  – cuidar da qualidade profissional; da força emocional – não ser melindroso e, especialmente, da força espiritual – iluminação do corpo e da vida.

A consciência de que cada um é único na vida, nos leva pelos caminhos da felicidade.

Hora! Hora! Vamos nos enxergar.      

-José Bernardo Silva Rodrigues  –  Negro

          Desembargador do Tribunal de Justiça do Maranhão

            Membro da AcademiaBarracordense de Letras

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