O brilhantismo de Bernardo Almeida

                                                                                                  O jornalismo me fez trilhar ora por caminhos tortuosos, enfrentando processos e encarando até ameaças físicas, assim como me direcionou a encontros com figuras marcantes de vários segmentos, propiciando-me momentos de alegria e de êxtase fazendo com que sentisse o saboroso gosto de vitórias. Foi o que aconteceu quando, certa noite, no fechamento de uma edição do JORNAL DE HOJE, me vi como se estivesse num sonho colorido de criança, elaborando a primeira página com nada mais nada menos do que com o consagrado poeta, jornalista e escritor Bernardo Coelho de Almeida.

Arfei de alegria, quando aprovou a manchete que produzi. Aproveitei e lhe disse:

-Poeta, estou me sentindo realizado por trabalhar junto com o senhor. Sou seu fã desde criança, quando lhe ouvia no DIFUSORA OPINA.

Foi como se tivesse lhe dado a senha para um porre a dois.

-Seu Djalma, isso é conversa para depois que sairmos daqui. A Maria Augusta vem me apanhar e iremos conversar de forma mais sossegada-, respondeu.

Sua esposa Maria Augusta nos apanhou no JH, na Rua Cândido Ribeiro por volta das 21h e ele pediu que nos deixasse num bar no São Francisco. A farra terminou por volta das 2h da madrugada. Saí embriagado de alegria e de conhecimentos. Era  um boêmio à moda antiga.

Bernardo Almeida, na realidade, era o responsável para que estivesse ali, como secretário de redação. Isso porque foi a pessoa que me aconselhou a acatar a decisão do Cordeiro Filho, superintendente do matutino, que me disse, numa tarde de sexta-feira, na sala do poeta, que eu, a partir da próxima semana deixaria a editoria de polícia, para fazer política, dando cobertura na Assembleia Legislativa e na Câmara Municipal.

Disse que não aceitaria a mudança. Tinha medo, não estava acompanhando a política na época. O Cordeiro saiu dizendo que estava decidido, argumentando que jornalista empregado não era dono de sua pauta. Aí o Bernardo me chamou a atenção e me disse pra aceitar o desafio, destacando que eu tinha condições de dar conta do recado. Ressaltou ainda que era pra passar os textos pra ele dar uma olhada e fazer as adequações necessárias.

Depois de uma semana, me afirmou que não precisava mais ler os textos e que era pra que fizesse a edição da página. Fui às alturas. Fizemos uma amizade fraterna e eu o tinha como meu guru. Um profundo respeito e uma grande admiração.

Ganhei a confiança do consagrado jornalista e escritor. Ele era homem de confiança do ex-governador João Castelo, que, à época, vivia às turras com o senador José Sarney. Não havia uma semana em que o JH, não viesse com um editorial desancando o grupo que dominava a política do Maranhão.

 

Numa chuvosa manhã de sábado, aproximadamente às 10h, recebo o telefonema de Bernardo Almeida, dizendo que não poderia ir ao jornal porque estava recepcionando um grupo de amigos paulistanos e me delegando  a tarefa de escrever o editorial. Tremi na base. Soou como se fosse um jogador canela de pau entrando no lugar de Pelé numa final de Copa do Mundo.

Expus meu temor. Ele me acalmou, com sua conhecida serenidade e me passou os dados.  Disse-lhe que logo após escrever ia lhe retornar a ligação, para que corrigisse o texto. Assim foi feito.  Ele aprovou com apenas uma correção no último parágrafo e pediu para que dissesse ao diagramador para colocar uma moldura em pergaminho no editorial.

No final da tarde da segunda-feira seguinte, o Bernardo chega ao jornal com seu andar claudicante, por conta da labirintite, mas sempre elegante e com seu inseparável cigarro entre os dedos. Vai direto à minha sala e me diz pedindo segredo:

 

– Só entre nós, o Castelo comentou que foi um dos melhores editoriais, esse de ontem….

Embora fosse um grande admirador do Bernardo, não lhe acatei um pedido, cometendo uma inconfidência. Em 1992, ele havia participado “ECO-92, como ficou conhecida a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada na cidade do Rio de Janeiro entre os dias 3 e 14 de junho daquele ano. Chamada também de Cúpula da Terra, a convenção reuniu chefes de Estado e representantes de 179 países, organismos internacionais, milhares de organizações não governamentais e contou também com a participação direta da população”.

A década de 1990 marcou a TV brasileira por conta das minisséries produzidas e apresentadas pela Rede Globo. Nessa conferência, Bernardo foi apresentado pelo peruano Oswaldo Sallas, que havia sido assessor de Henrique de La Rocque no Senado e no TCU, a um grupo de diplomatas alemães, ocasião em que discutiram a possibilidade de levar para as telas o romance O BEQUIMÃO, obra prima do poeta. Os alemães se interessaram porque o Manuel Bequimão tinha origem germânica.

A conversa, segundo Bernardo me relatou, teve avanço, com a definição do roteiro, que ficaria a cargo de outro ilustre jornalista e escritor maranhense, José Louzeiro. Foi um pedido de segredo que jamais poderia cumprir, porque, na realidade, queria a exaltação do escritor e de sua obra.

Na semana seguinte, encontro, por acaso, no Mercado Central, numa manhã de sábado, o jornalista e teatrólogo Ubiratan Teixeira, que escrevia semanalmente para O ESTADO DO MARANHÃO e apresentava, aos sábados à noite, o programa 54 MINUTOS, na TV EDUCATIVA.  Eles eram companheiros na Academia Maranhense de Letras, além de parceiros de boemia.

Lhe relatei o que estava acontecendo, sugerindo que entrevistasse o Bernardo, mas pedindo que guardasse segredo sobre a fonte. Ao contrário de mim, Ubiratan abordou seu colega imortal e fez uma antológica entrevista, que acompanhei entusiasmado. O projeto não brotou por conta da falta de apoio do poder público do Maranhão.

Poeta, jornalista e prosador, Bernardo Almeida começou sua carreira literária com o livro de poesias Luz! Mais Luz!, publicado pela Editora Mantiqueira de Belo Horizonte, em 1954. Seguiram-se A Gênese do Azul (poesia-1955), Galeria (crônicas-1961), A Última Promessa (romance-1968), O Bequimão (romance-1973) e Éramos felizes e não sabíamos (crônicas) -1989).

Ligado aos melhores momentos da imprensa maranhense,  foi presidente da extinta Fundação Cultural do Maranhão, embrião da  Secretaria de Cultura, participou como um dos fundadores da revista LEGENDA, de momento marcante da vida cultural do Estado, e em sua passagem pelo Peru, como adido cultural, atuou como professor do Centro de Estudos Brasileiros, em Lima, de onde trouxe muito mais do que deixou, segundo seus depoimentos.

Marcou época no rádio e na televisão. Foi diretor do Sistema Difusora dos irmãos Bacelar e foi redator e apresentador do programa Difusora Opina, que ia ao ar diariamente ao meio dia. O programa pautava a cidade e era líder absoluto de audiência.

Foi um dos intelectuais maranhenses de vida integral mais intensa e campo de atividades mais diversificado. Sacerdote pela metade, viveu no Rio de Janeiro, em Fortaleza, Parnaíba e Peru. Deputado estadual por três legislaturas, jornalista em tempo integral, admitia que se tivesse sido mais inteligente teria usufruído os melhores momentos de sua vida intelectual durante o período em que esteve como adido cultural junto à Embaixada do Brasil no Peru. Foi membro do extinto Conselho de Contas dos Municípios, por onde se aposentou.

Nascido em 13 de junho de 1927, na cidade de São Bernardo, faleceu em São Paulo, no dia 4 de agosto de 1996, no hospital Dante Pazanezzi, após uma cirurgia. Sua morte me marcou profundamente.  Era início da noite e eu era o assessor de imprensa de João Castelo numa das campanhas para a Prefeitura de São Luís, na qual foi derrotado por Jackson Lago que disputava o segundo mandato.

Estávamos, eu, João Castelo, seu candidato a vice, o ex-deputado Juarez Medeiros e o então vereador Manoel Oliveira, abastecendo nossos veículos no posto localizado ao lado do elevado da Cohama. Nosso destino naquela noite seria um comício na Cidade Operária. Inesperadamente o Castelo me  me indaga:

-Está sabendo que o Bernardo Almeida morreu hoje à tarde em São Paulo?

 

Disse que não.  Fui tomado por um misto de surpresa e melancolia. Foi um mergulho na tristeza. Pedi para ser dispensado da programação de campanha.  Naquela noite e  o Castelo me liberou. Fiquei paralisado, como se tivesse perdido um parente próximo e me dirigi até o JORNAL PEQUENO, onde o saudoso Ribamar Bogéa pediu que fizesse o texto. Depois fui até O ESTADO DO MARANHAO, fiz o texto a pedido do diretor de redação, o Ribamar Correa. De lá, fui direto  para o abrigo de João Lisboa, tristonho e me lembrando dos momentos que desfrutei ao lado de um dos maiores nomes do jornalismo e da literatura do Maranhão. Acabei sem condições de dirigir quase ao amanhecer. Deixei o carro na praça e um taxista amigo foi me deixar em casa, no Parque dos Nobres.

Bernardo Almeida é um dos ícones de nossa imprensa. Era sereno, taciturno e muito observador. Brilhante em tudo o que produziu. Não há quem não se curve, até hoje, ao brilhantismo desse grande intelectual.  Sou um privilegiado pelo importante convívio. Bernardo Almeida foi uma das fontes mais límpidas de onde bebi ao longo de mais de 40 anos de jornalismo. Guardo muito dos seus proveitosos ensinamentos.

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